Resumo:
Nesse texto, discutir-se-á sobre alguns aspectos relevantes na organização do
espaço e tempo no atendimento às crianças na Educação Infantil, bem como a
produção do disciplinamento. Para clarificar este estudo, será utilizada a
pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo. De alguma forma, o espaço escolar
é organizado de acordo com o pensamento moderno de espaço fixo. Além disso, as
salas de aula da pré-escola apresentam marcas “escolarizantes” na sua
organização, e quando organizadas em espaços funcionais com o controle do
tempo, propicia o disciplinamento da criança.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil; infância; espaço
e tempo; disciplinamento.
A organização do espaço físico e
do tempo na educação infantil
O que é espaço? Analisando o
sentido semântico apresentado por Forneiro (apud ZABALZA, 1998, p. 230),
compreendemos que significa “[...] extensão indefinida, meio sem limites que
contém todas as extensões finitas. Parte dessa extensão que ocupa cada corpo”.
Este conceito de espaço pressupõe algo físico que pode ser preenchido por
objetos. Uma “caixa” que pode ser ocupada, esta é uma forma abstrata de ver
extremamente comum entre os adultos; no entanto, a criança percebe o espaço de
forma diferente, para ela não existe a abstração de algum lugar, apenas o
espaço e mais tudo o que pode ser colocado nele, ou seja, espaço são
equipamentos, móveis, cores etc. Para os adultos, essa percepção é a do espaço
já equipado.
O espaço pode ser compreendido,
ainda, dentro da noção de ambiente apontada por Forneiro (1998, p. 232), que
postula que o ambiente é o conjunto do espaço físico e mais a relação que se
estabelece nele. Estas relações são descritas como afetos, relações
interpessoais entre as crianças, entre crianças e adultos, crianças e sociedade
em seu conjunto. O espaço não é neutro. Ele permeia as relações estabelecidas e
as influencia, na medida em que chega até o sujeito e propõe suas mensagens,
implicitamente. Espaço é tudo e é indissociado da noção de ambiente.
Indo um pouco além desta visão
formal e utilitária do espaço, podemos percebê-lo também como um “[...] espaço
de vida, no qual a vida acontece e se desenvolve: é um conjunto completo”.
Esta visão pode ser considerada vitalista porque se adapta à forma como
a criança vê o espaço, pois ela o sente e o vê; portanto, “[...] é grande,
pequeno, claro, escuro, é poder correr ou ficar quieto, é silêncio, é barulho”
(BATTINI apud FORNEIRO, 1998, p. 231), a criança não o concebe abstratamente,
pois ainda não tem desenvolvida esta capacidade. O que a criança pode ver
restringe-se ao concreto, ao palpável. A criança vê o espaço da escola, da sua
casa como algo concreto, e a partir do seu imaginário infantil o lugar para ela
só é atrativo se puder interagir e vivenciar o ato de brincar. A partir disso
podemos dizer que a infância é uma etapa diferenciada do mundo adulto;
portanto, o seu modo de ver a vida é baseado no poder de manipular os objetos e
criar formas lúdicas com eles.
Tonucci (1997) faz uma leitura
crítica a partir de imagens sobre a influência que a escola e a família exercem
sobre a criança procurando organizar o mundo dela com bases na noção de mundo
do adulto.
A forma
como a criança percebe o espaço é diferente da lógica do adulto. O adulto o
organiza, muitas vezes, não considerando a relevância da participação da
criança na construção dele. Cabe aos professores o olhar atento para as
especificidades do sujeito infantil e organizar o espaço de maneira que
contemple o jogo, o brincar e o despertar do imaginário infantil. O espaço
educativo deve ser prazeroso e voltado às necessidades de cada faixa etária na
primeira infância.
Ao falar
de um espaço educativo não se pode deixar de mencionar a intrínseca relação
entre espaço e organização. Nesse caso, percebemos a presença da geometria
cartesiana como forma bastante marcante para organizar espaços. Ele é um lugar
geralmente retangular, planejado, medido, ordenado, estabelecendo de maneira
disciplinada os móveis e objetos; cada objeto em seu lugar determinado. Em se
tratando de sala de aula há o espaço do brincar e contar histórias, o espaço
para as atividades e para o lanche. Cabe salientar que juntamente com a forma
disciplinada dos equipamentos da sala de aula há a disciplina do tempo. A
organização do tempo em determinada atividade e espaço para cada momento da
aula.
É por
essa razão que a esta discussão cabe focalizar o termo disciplinamento como
categoria central de análise e também como parte integrante da educação das
crianças em idade de educação infantil. Sobretudo no espaço, o disciplinamento
é imprescindível. Ele permitirá atingir o objetivo de compreender quais são as
estratégias de disciplinamento, pois é através da disciplina que poderemos
observar as ações possíveis de autorregulação da criança no espaço educativo e
seus mecanismos para essa ação. Logicamente que não se pode descartar o
contexto como influente, porém a estrutura social e político-educacional está
de tal forma posta e desenvolvida ao longo da história que “autoriza” a
educadora, por meio dos próprios elementos constitutivos de sala (carteiras,
materiais didáticos, disciplinas, regras de convivência e obediência), a
práticas de disciplinamento. Isso pressupõe pensar que desde os primórdios da
modernidade o homem se preocupa com a questão da disciplina.
O espaço educativo e as práticas de
disciplinamento
Pensar em
disciplinamento implica pensar em tecnologias de individualização e de
normatização do corpo infantil, na produção de sujeito dócil e útil. Estas
tecnologias enfatizam como a escola e o Centro de Educação Infantil produzem e
controlam através da organização do espaço físico o disciplinamento na criança.
Kant (1996, p. 16) no século XVII já preconizava que “[...] a falta de
disciplina é um mal pior que a falta de cultura, pois esta pode ser remediada
mais tarde, ao passo que não se pode abolir o estado selvagem e corrigir um
defeito da disciplina”. Não há pretensão de afirmar se autor está correto ou
não, porém Kant, com esta ideia, permite que se promova um debate sobre a
disciplina na escola. Kant (1996) foi o primeiro filósofo a caracterizar a
escola moderna como responsável pelo disciplinamento dos corpos infantis nos
espaços da instituição e concebe que a disciplina impede o homem de desviar do
seu caminho, tendo como dever estreitá-lo, contê-lo, e através da educação
instrumentalizá-lo para que retorne ao seu estado humano, ou seja, todo e
qualquer manifestação de indisciplinamento às normas o homem se torna selvagem,
animal. A disciplina submete o homem às leis da humanidade e o faz sentir a sua
força, mas todo este processo de disciplinamento deve acontecer bem cedo; sendo
assim, as crianças devem ser mandadas ainda pequenas à escola para que a
disciplina tenha seu efeito sobre o seu corpo.
A
criança desde cedo é adaptada ao modelo escolar na educação infantil, pois na
hora de fazer atividade deve ficar sentada e atenta ao que a professora está
explicando, e a criança foge às regras é considerada sem limites e é preciso
garantir mecanismos que a façam ter disciplina com o espaço e tempo da sala. A
partir disso é possível pensar que a criança se torna criança, homem, mulher
pela educação e ela é aquilo que a educação faz dela (KANT, 1996, p.
19).
Para Assmann e Nunes (2000, p.
138), a arte das distribuições como uma categoria foucaultiana sobre as
práticas disciplinares pressupõe que “[...] a disciplina é um tipo de
organização do espaço”. Ela é uma distribuição dos sujeitos nos espaços
escolares. No espaço educativo da educação infantil, trata-se de fechar,
esquadrinhar e, por vezes, cercar estes lugares geometricamente para que não
ocorra difusão das crianças. Para Duclós (2003, p. 2), a geometria cartesiana
se pauta na importância da ordem e da medida. Para Descartes, na geometria não
há dúvidas, ela é universal e simples. Assim, constituem-se a modernidade e as
formas da organização do espaço educativo como verdades únicas, obtendo-se
através das disposições dos materiais e objetos pedagógicos uma lógica
capitalista, moderna, geométrica, lógico-matemática produzindo assim a infância.
Portanto, analisa-se a
constituição do espaço juntamente com a organização colaboram na não difusão
das crianças pelo espaço educativo. Cada espaço tem sua função e seu tempo de
ser utilizado. Foucault (1987, p. 123), dentro da categoria arte das distribuições
denomina uma subdivisão intitulada localização funcional, que tem como
pressuposto compreender os espaços disciplinares como espaços úteis.
A organização do espaço colabora
na criação de espaço útil, pois em determinado momento as crianças se dirigem
aos cantinhos e deles é possível abstrair o máximo de proveito para que assim a
professora possa realizar seu trabalho com rapidez e eficiência. Além disso,
ajuda a professora a vigiar e visualizar todas as crianças ao mesmo tempo. Para
exemplificar ainda mais, no espaço de atividades as crianças recortam, pintam,
desenham, aprendem várias coisas. No espaço do brincar as crianças montam
jogos, representam e imitam papéis sociais, pode-se averiguar que cada espaço
tem sua função e ele deve colaborar na utilidade econômica do corpo e torná-lo
docilizado em relação ao ambiente.
Para Foucault (1987, p. 123)
quadriculamento “[...] é o princípio de localização imediata. [...] cada
indivíduo no seu lugar e cada lugar um indivíduo. O espaço disciplinar tende a
se dividir em tantas parcelas quando corpos ou elementos há repartir”. O
quadriculamento exige, portanto, para a eficácia do poder disciplinar uma
repartição o enquadramento das crianças no espaço. Quanto mais houver criação
de espaços e organização do tempo em cada espaço maior é a eficácia do poder
disciplinar.
Algumas exposições finais
É central
dizer aqui que a escola é um espaço que não neutro. Do mesmo modo ocorre com as
instituições de educação infantil. A não neutralidade é comprovada quando se verifica
que, por meio da organização e ocupação deste, planeja-se e propostas de
trabalho são desenvolvidas. A criança que integra algum espaço educativo passa
a ser “educada” e a relacionar-se com os objetos e materiais ali presentes e
também terá seu comportamento modificado, ou seja, disciplinado.
Quando se aborda a questão do disciplinamento,
a primeira impressão é a do sentido pejorativo a que esta palavra nos remete,
porém esta categoria contribuiu significativamente na elaboração das análises,
pois não possui conotação negativa. Foucault (1987) ajuda a compreender esta
questão quando postula que a disciplina é um tipo de organização.
Acrescenta que a disciplina é um conjunto de técnicas de distribuição dos
corpos infantis nos espaços escolares e que tem como objetivos espaços
individualizados, classificatórios e combinatórios, a fim de que as práticas
disciplinares se incorporem nos sujeitos.
A educação infantil é um tempo
diferente do tempo do ensino fundamental, portanto, precisa-se projetar espaços
físicos que atendam ao ritmo de “ser criança” e à necessidade que elas
participem da organização do espaço e tempo, estabelecendo com os profissionais
que atuam com ela momento de interação e decisórios na produção destes espaços
e tempos. A criança precisa encontrar no espaço educativo algo que não seja uma
pré-escolarização, mas sim um ambiente que prime pela cultura infantil, seus
valores e ansiedades. A infância é produzida por meio de subjetivações e não se
evidencia o estabelecimento da existência de uma única ideia e correta sobre a
criança, mas sim ela na sua relação com os familiares, professores(as) e
amigos(as). A infância é algo de nossos saberes, de nossas tecnologias
(LARROSA, 1998).
O espaço escolar é estabelecido
dentro da lógica moderna de espaço fixo, sendo constituído e organizado por
meio de discursos pedagógicos permeados de subjetividades. Evidenciam-se à luz
das leituras que nos Centros de Educação Infantil as salas de aula têm
fortes marcas “escolarizantes” (carteiras e cadeiras, quadro de giz e
atividades pedagógicas). Os espaços podem, muitas vezes, ser organizados em
espaços funcionais, ou seja, espaços construídos pela professora destinados a
funções específicas, como o cantinho do brincar, das atividades pedagógicas e
da leitura, propiciando, assim, o disciplinamento da criança.
Referências:
ASSMANN, Selvino José;
NUNES, Nei Antonio. A escola
e as práticas de poder disciplinar. Perspectiva, Florianópolis, v. 18,
n. 33, p. 135–153, jan/jul. 2000.
COUTINHO, Karyne Dias. Lugares de criança - Shopping
Centers e o disciplinamento dos corpos infantis. 2002. Dissertação
(Mestrado em Educação) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
setembro. 2002.
DUCLÓS, Miguel. As meditações cartesianas e o
nascimento da subjetividade moderna. Baseado nas anotações de aula da
professora Marilena Chauí. Disponível em:
Acesso em: 1 nov. 2003.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o
nascimento das prisões. Trad. Raquel Ramalhete. 16. ed. Petrópolis: Vozes,
1987.
FORNEIRO, Lina Iglesias. A organização dos espaços
na educação infantil. In: ZABALZA, Miguel A. Qualidade em educação infantil.
Trad. Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 229-281.
HARVEY, David. A experiência do espaço e do tempo.
In: HARVEY, David. Condição pós-moderna. 6. ed. São Paulo: Loyola, 1996.
p. 185-289.
KANT,
Immanuel. Sobre a pedagogia. trad. Francisco Cock Fontanella.
Piracicaba: Unimep, 1996.
TONUCCI, Francesco. Com olhos de criança.
Porto alegre: Artes Médicas, 1997.
Mestranda em Educação (UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SANTA MARIA – UFSM / PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGE). Graduada
em Pedagogia/Educação Infantil (UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA REGIONAL DE CHAPECÓ -
UNOCHAPECÓ). E-mail: dorkass@desbrava.com.br
Pedagoga habilitada em Educação Infantil
(UNOCHAPECÓ). Técnica-administrativa da Editora Argos da Universidade
Comunitária Regional de Chapecó. E-mail: ale@unochapeco.edu.br