sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O nascimento da inteligência na criança segundo Piaget

Piaget se dedicou a analisar os comportamentos de sucção, preensão, os gritos e fonações, os gestos e atitudes dos braços, da cabeça ou do tronco, verificando que a partir destes comportamentos simples se formava a base para o aparecimento da inteligência propriamente dita.

Para Piaget[1] a inteligência não aparece repentinamente como um mecanismo inteiramente montado e completamente diferente de tudo o que havia antes. Pelo contrário ela aparece como uma continuidade de processos anteriores, alguns dos quais inatos. Desse modo para entender a inteligência em si mesma é preciso analisar o surgimento de hábitos e o exercício dos reflexos. Ao nascer a criança já tem prontos uma série de comportamentos necessários à sobrevivência. Estes comportamentos são instintivos e servem entre outras coisas para manter a postura do bebê, realizar a digestão, enfim alguns comportamentos essenciais ao início da adaptação do indivíduo ao meio. Estas atividades à medida que são realizadas vão se sistematizando e interligando em comportamentos mais complexos.

Tomemos o exemplo da sucção que vai se tornando mais eficiente a cada mamada e, além disso, quase todas as crianças "treinam" a sucção entre uma mamada e outra. Pode-se também observar que as crianças que chupam bico fazem isto mais intensamente quando estão interessadas em algum fenômeno novo. Mais adiante ocorre o que se chama de fase oral e todas as coisas, objetos e até pessoas interessantes são levadas à boca para serem sugadas.
Assim, um comportamento inato é exercitado se tornando mais perfeito e depois se generaliza para outras coisas além do seio materno.
A adaptação progressiva dos esquemas reflexos pressupõe a organização dos mesmos. Observações desta natureza levaram Piaget a propor que a psicologia começava com os exercícios que desenvolviam os comportamentos inatos. Em outras palavras a inteligência apenas será possível a partir da ação própria dos sujeitos.

Em decorrência da própria sobrevivência a assimilação se constitui no primeiro fato da vida psíquica. O que caracteriza a assimilação é exatamente a necessidade de repetição dos comportamentos em relação aos objetos externos. Ou seja, quando um bebê brinca pode-se observar que repete várias vezes as mesmas atitudes, isso significa, segundo a teoria de Piaget, que ele está assimilando. Do mesmo modo que qualquer órgão do corpo se desenvolve à medida que funciona, a inteligência se desenvolve a partir do exercício de todas as coisas que os bebês conseguem fazer.

O desenvolvimento das neurociências após a morte de Piaget trouxe dados que não se contrapõem às suas teorias e pelo contrário as apoiam. Sabe-se, por exemplo, que o desenvolvimento cerebral não é uniforme havendo certos períodos críticos para diferentes regiões do cérebro. Por exemplo, o córtex visual se desenvolve do zero aos dois anos de idade. Se uma criança nascer com catarata de nascença e somente for operada após os dois anos de idade ela poderá permanecer cega. O desenvolvimento do córtex cerebral visual necessita, portanto, do estímulo luminoso e se dá através de sinapses que se formam entre os seus neurônios.

Voltando à teoria de Piaget, pode-se concluir que à medida que a criança repete os movimentos que sabe fazer, vai gerando estímulos para o desenvolvimento das regiões cerebrais que coordenam os movimentos voluntários e com isto vai tornando estes movimentos cada mais precisos e amplos, gerando inclusive novos movimentos.

Através das neurociências se sabe também que a atividade gerada numa determinada área do cérebro influencia áreas adjacentes que passam a se desenvolver também. A visão também participa do surgimento da inteligência, pode-se observar que um bebê começa a sorrir quando passa a reconhecer pessoas ou mesmo objetos de seu agrado.

Da mesma forma a fonação e audição também se desenvolvem a partir da ação tornando-se mais complexas e precisas do que as adaptações hereditárias originais. Com o tempo surge a coordenação entre a fonação e a audição. no princípio a imitação dos sons é uma confusão entre a voz própria e a de outrem, depois a criança se torna capaz de escutar e reproduzir sons cada vez mais complexos e diversos e finalmente adquire a capacidade de encontrar um som preciso. Mais tarde a fonação se coordena com a visão de modo que ao identificar um objeto ou alguém a criança é capaz de reproduzir um determinado som. Dessa maneira vai construindo as bases que permitirão o desenvolvimento da fala.

Pode-se destacar que os estudos de Piaget demonstram exaustivamente a importância da interação dos indivíduos com seu meio físico e social, através das ações do próprio sujeito, para o desenvolvimento da inteligência. Estas ações do sujeito que no início são essencialmente exteriores vão se tornando cada vez mais interiorizadas à medida que a inteligência surge e se desenvolve. Porém por mais desenvolvida que seja a inteligência sempre dependerá da ação do sujeito sobre os objetos. Objeto aqui é usado em sentido amplo podendo se constituir numa fala de alguém, numa imagem, num texto, etc. Assim para entendermos ou memorizarmos qualquer objeto precisamos agir sobre ele. Fazemos isto quando refletimos sobre a fala de alguém, a reflexão é um ato que executamos sobre o objeto fala.

Quando uma criança usa o jogo simbólico está assimilando o mundo ao seu redor, quando realiza imitações está processando esta informação assimilada e criando as imagens mentais que permitirão o desenvolvimento da linguagem. Após o surgimento da linguagem nossa inteligência se desenvolve e se torna muito mais complexa, ampliando nossa interação social. Para Maturana e Varela (1985)[2], como Humanos somos inseparáveis dos acoplamentos sociais estabelecidos através da linguagem.

Com o desenvolvimento da inteligência o sujeito se torna cada vez mais adaptado ao meio podendo inclusive transformar este meio através de suas ações. Conclui-se através do exposto que toda brincadeira de criança é coisa muito séria e essencial para seu desenvolvimento cognitivo.

Por Gladis Franck da Cunha

Referências:
[1] - Piaget, Jean. O nascimento da inteligência na criança, 4 ed. Guanabara, Rio de Janeiro, 1987.
[2] - Maturana, Humberto ; Varela, Francisco. A árvore do conhecimento. Editorial Psy II, campinas, 1995

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