Na mídia, notícias sobre educação são publicadas não mais apenas em
cadernos de ensino, mas também nas páginas policiais, desvelando
agressões e agredidos. A luta a favor de melhores condições de trabalho
coloca frente a frente o professorado e os governos. Entre tantas
situações contemporâneas, pensar a atuação docente é um grande desafio, o
qual deve mobilizar a todos nós.
O professor Sérgio Haddad, revela os desafios dessa importante profissão e nos convida a “transver” o mundo sob o olhar atento à recriação do papel dos(as) professores(as).
O professor Sérgio Haddad, revela os desafios dessa importante profissão e nos convida a “transver” o mundo sob o olhar atento à recriação do papel dos(as) professores(as).
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É possível afirmar que hoje há uma certa desvalorização do(a) professor(a)?
O processo de desvalorização
vem junto com a universalização da escola, principalmente no Ensino
Fundamental. Na medida em que houve uma abertura de vagas muito grande, e
esta abertura foi feita com um volume de recursos que não acompanhou as
necessidades. Simplesmente aumentaram o número de alunos na sala de
aula, aumentaram as turmas, aumentaram as classes, enfim, um aumento de
despesas não correspondentes. E o professor sofreu muito com isso e
pagou com sua desvalorização.
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Mas por que se culpa o(a) professor(a)?
Eu acho inclusive que, hoje,
o(a) professor(a) passou a ser criminalizado. Antigamente você dizia o
seguinte: com a universalização, a escola pública ficou pior, porque os
pobres entraram na escola, a criança não tem experiência escolar, os
pais não têm experiência escolar, então você empobreceu a escola
pública. Naquela época culpabilizavam os alunos. Agora, o processo é
outro.
Qualquer questão é um problema do(a) professor(a), com suas
disponibilidades, com suas dificuldades. Ele(a) é o(a) grande
responsável por todos os problemas que acontecem na escola. E não é bem
assim, afinal existe uma quantidade de fatores que impactam a qualidade
da escola pública, e nós não podemos deixar na mão do(a) professor(a) a
única responsabilidade disso.
É comum ver nas páginas dos jornais e nos discursos dos governantes a
responsabilização do professorado pela insuficiência da qualidade do
ensino, alegando formação deficiente, absenteísmo e falta de compromisso
pessoal com a carreira. A consequência imediata é a ausência d
participação dos docentes nos debates públicos e na formulação das
políticas, ficando na mão dos órgãos centralizados e dos especialistas o
papel de conceber e formular ações pedagógicas, relegando ao
professorado o papel mecânico de aplicar tais ações.
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Isso não compromete o papel de educador(a)?
No novo cenário, eles(as)
passam a ser o principal "bode expiatório" dos insucessos dos sistemas
de ensino, recebendo a pecha de incompetentes e/ou descomprometidos, em
grande parte do discurso de gestores e da imprensa. Parece evidente que
tal deslocamento tem a ver com a mudança no perfil socioeconômico do
professorado, decorrente da massificação da escola. Ele passa a ser
composto por uma parcela cada vez maior de mulheres oriundas das classes
populares, com participação crescente de afrodescendentes.
Diante desse cenário, impõe-se o desafio de compreender e denunciar os
significados políticos e consequências pedagógicas desse processo de
culpabilização dos(as) professores(as) e, principalmente, de fazer
frente a ele, produzindo uma contraideologia nos marcos dos direitos
humanos, da democracia e da justiça social. É fundamental desenvolver
estudos, implantar políticas e apoiar iniciativas dos próprios
professores e professoras que contribuam para a recriação de seu papel
como educadores e servidores públi cos, intelectuais, ao mesmo tempo
autônomos e comprometidos com um projeto republicano de educação pública
de qualidade para todos.
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O que tem a ver a classe social e a etnia das professoras?
O trabalho do professor foi
feminilizando mais do que era. E mais do que isso, ele tem incorporado
cada vez mais pessoas negras e pardas. São essas pessoas que estão dando
conta e estão trabalhando nas escolas públicas. Por isso temos que
tomar cuidado, porque nós podemos estar próximos de uma criminalização
do professor que tem por trás toda uma visão machista, preconceituosa,
racista, que a sociedade tem em relação ao professor.
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E os casos de violência na escola, especialmente contra o(a) professor(a)?
As brigas na escola sempre
aconteceram. Mas hoje tem a televisão que está dando uma dimensão muito
grande a esses fatos. E temos que ter um pouco de cuidado com isso.
Eu diria que a violência não é uma característica da escola, e sim de
toda a sociedade. Os casos de violência na sociedade, de maneira geral,
cresceram: os muros subiram, as grades subiram, o número de vigilância
privada cresceu... E a escola não é imune a esse comportamento da
sociedade. Cresceu a falta de respeito entre pais e filhos, mudou o tipo
de relação e isso também mudou na sala de aula. Daí muda também a
característica da relação de respeito com o professor. A unidade escolar
é um laboratório do que está na sociedade. O aluno não está isento e
isso é que a gente vê refletido na escola.
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Você identifica um processo de mercantilização da educação?
Eu acho que na medida em que
os interesses privados entram na escola, você começa a ter algo que diz
respeito menos ao sentido público dessa escola e mais ao que é
diretamente ligado à questão privada. Um exemplo: hoje cada vez mais
você vê sistemas educacionais entrarem nas redes públicas, subsídios
privados, que botam apostilas, vendem aulas públicas que acompanham
pelos telões, acompanhamento pela internet... E tudo isso vai criando
uma visão muito própria e tirando do(a) professor(a) a capacidade de
produção, de criação. É uma coisa dada, não é a experiência do(a)
professor(a). Quando você tira isso da mão dele(a) e entrega para
pessoas que produzem, você acaba privatizando de alguma forma o processo
educacional. Você tira a ação pública desse(a) professor(a) para
interesses privados de alguns deles, sob o ponto de vista da sua
perspectiva pedagógica, da sua autonomia como profissional.
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Há pesquisas que constatam que um grande número de professores sofre com problemas de saúde. A que se pode atribuir isso?
É um reflexo das condições de
trabalho, dessa violência etc. Talvez em nenhuma outra profissão ou em
poucas profissões você tenha que ficar frente a frente com um conjunto
de 30, 40 pessoas, num confronto, dando conta de algo que é de difícil
realização, pressionado de fora para dentro, culpabilizado pelo seu
trabalho. É natural que isso afete a pessoa. E imagino que os alunos
também se sintam "pesados" com essa situação.
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A partir das mudanças do mundo, há uma exigência que o(a) professor(a) também mude?
Todo professor tem que se
atualizar. Todo o processo de mudança social ou tecnológica tem que ser
incorporado e o(a) professor(a) tem que ter condições de fazer isso. Se
ele(a) estiver ocupado o tempo todo em dar aulas porque precisa
sobreviver, vai ter dificuldade para se atualizar. Então é preciso que
se deem as condições e se crie a disponibilidade para isso.
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A valorização também passa pela remuneração. É importante estabelecer um piso salarial para o magistério?
É extremamente necessário.
Mesmo assim, 950 reais para o ano que vem e para 2011 representam muito
pouco. E ainda assim há governantes que entram na justiça para não pagar
esse piso. É de chorar...
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A
luta do professor tem sido uma luta de classe. A sociedade civil, os
pais, os alunos não deveriam se engajar mais na defesa da educação e dos
educadores?
Essa talvez seja a grande
questão: por que a luta da educação é uma luta somente do professor e do
sindicato? Por que os pais não se mobilizam para isso? Pesquisas
nacionais dizem que os pais estão satisfeitos com a educação. Talvez
porque não tenham experiência. Hoje, de fato, as pessoas têm mais
escolaridade do que antigamente. As novas gerações têm mais escolaridade
do que a geração anterior, e isso já é um ganho. Talvez essa possa ser
uma explicação. E acho que se a escola se abrir mais para os pais, se os
pais puderem estar mais dentro dela, poderá haver maior engajamento. O
próprio sindicato se fecha, não há diálogo com os pais. Teria que se
estabelecer uma grande parceria com os pais.
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Com tantas cobranças e tantas dificuldades, ser professor(a) é uma atitude heroica?
Eu diria que hoje, apesar
dessas condições, ser um profissional nessa área já é uma grande
vitória. Quem se submete a trabalhar nessas condições que estão
colocadas para o(a) educador(a)? Precisa realmente ter muita vontade de
perseverar e tentar realizar o seu trabalho. E acho que grande parte
dos(as) professores(as) tem essa característica.
Que importância teve o(a) professor(a) para você?
Eu não seria leitor, escritor ou cronista se não fossem algumas professoras que marcaram minha vida e me mostraram o prazer da leitura. Eram professoras incríveis, porque tinham um olhar para dentro do aluno, e isso que eu gostaria que os professores tivessem. É muito complicado, eu sei que hoje é difícil, mas olhem para cada um, mesmo aquele mais rebelde, o mais chato, o mais quieto... Alguma coisa nele tem que o leva a ser daquele jeito. Se o professor não tiver paixão pelo que faz, se não for entusiasmado, se não gostar da escola, mesmo com todas as dificuldades... Mas o que não é difícil? Tudo é difícil. Mas aquela é sua missão, aquele é seu ofício, então se jogue dentro dele, procurando transformar.Ignácio de Loyola Brandão,
escritor.
Não é tarefa difícil escrever sobre a importância que os professores tiveram em minha vida. Na verdade há que falar sobre a importância que ainda têm, pois continuo como aluna, numa pós-graduação sobre neuropsicologia. Além de nos encantar com o conhecimento que possuem, professores nos estimulam a construí-los. Além de nos assombrar com o muito que há para aprender, professores nos fazem pensar e desejar. Ao pensar, fazemos uma releitura de mundo e ao desejar nos humanizamos, valorizando nossas emoções e as energias que nos impulsionam. Todas as homenagens seriam poucas, pois como educadores que são, os professores nos ensinam a estabelecer relações com o saber. E tais relações são sempre positivas e oportunas.
Rosita Edler Carvalho,
doutora em Educação pela UFRJ e escritora.
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